quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

"Na verdade, a noite sempre foi para mim uma casa muito pouco confortável. Se estivesse por bares ou clubes, onde normalmente estava ora te seguindo, ora te procurando, a noite me lembrava um albergue lotado e mal freqüentado, cheirando a cigarro e bebida derramada, que, por alguma razão física ou química que me escapa agora, cheira muito pior que bebida nos copos. Sempre tive horror a fumaça, e fiquei contente ao perceber que Clara também não a apreciava. No meu pânico de asmática crônica, cheguei a ter medo de precisar vir a fumar com ela.


Se eu estivesse em casa, o que significava necessariamente estar sozinha em casa, a noite tomava ares de mansão mal assombrada, com toda a sonoplastia de ruídos característica e alguns fantasmas escondidos nos armários, outros caminhando pela sala. O grande espelho que mandei colocar na parede para ampliar o espaço do pequeno apartamento, conforme orientam aquelas revistas de decoração, parecia uma espécie de porta transcendental por onde costumavam entrar sempre visitas sobrenaturais indesejadas. Num momento de extrema irritação, quebrei o espelho e passei alguns dias dormindo um pouco melhor. Isso foi antes, é claro, de passar a ouvir a campainha tocar a madrugada inteira, mas barulho nunca me incomodou, e me acostumei rápido".

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